O Teatro Municipal de Ribeirão Preto, equipamento cultural da Secretaria Municipal da Cultura recebe nesta quinta-feira, 15 de agosto, às 20h, o espetáculo “Van Gogh por Gauguin”, pela programação do Circuito Cultural Paulista, com entrada gratuita.
De outubro a dezembro de 1888, na pequena Arles, na França, dá-se um encontro explosivo entre aqueles que viriam a ser considerados, futuramente, como dois dos maiores artistas da história da humanidade: o holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) e o francês Paul Gauguin (1848-1903).
Escrito por Thelma Guedes para o diretor
Roberto Lage, o espetáculo “Van Gogh por Gauguin” é uma ficção na qual
Gauguin, em um agonizante delírio, vive sob o peso de sua
responsabilidade em relação ao final de vida trágico do amigo Vincent. A
peça personifica de forma poética, simbólica e onírica os conflitos e a
admiração incondicional entre os pintores.
Como não se trata de um espetáculo
biográfico, mas de um encontro ficcional entre os artistas – vividos por
Alex Morenno e Augusto Zacchi, respectivamente -, a direção priorizou o
trabalho de interpretação para criar um universo cênico que remeta aos
padrões cromáticos dos dois pintores, levando o espectador a refletir
sobre o que levou essa grande amizade a um trágico fim. Tendo como apoio
a pesquisa biográfica que traz à luz, sobretudo, os pensamentos
artísticos divergentes de ambos, a peça privilegia questões humanas com a
força de seu alcance na vida dos criadores.
Em um febril período de apenas dois meses, em que eles dividem a pequena Casa Amarela, em Arles, na isolada região rural francesa, vivendo e pintando juntos, as profundas diferenças de temperamento e de visão artística provocam embates, muitas vezes violentos, culminando no famoso e terrível desfecho no qual, após uma forte discussão, Paul decide partir de volta a Paris e Vincent reage, intempestivamente, decepando a própria orelha.
Em 1890, o atormentado Van Gogh tenta
suicídio com um tiro na barriga, que o levaria à morte no dia seguinte.
Gauguin, por sua vez, em 1891, depois de uma bem sucedida exposição,
realiza o sonho de ir morar no Taiti. Lá, produz vigorosamente até que,
abatido por uma sífilis não diagnosticada, vai sendo excluído da
sociedade e abandonado pelos seus. É sobre esse episódio mal sucedido
que se pauta o espetáculo Van Gogh por Gauguin. “A intenção é trazer
para cena um Van Gogh espectral, fruto do inconsciente delirante de
Gauguin que, sofrendo com as consequências da sífilis, acredita estar
morrendo”, comenta o diretor Roberto Lage.
Por meio de um exercício dramatúrgico de
imaginação, a encenação reinventa o momento em que o efeito delirante do
arsênico sobre o pintor o leva a acreditar que Van Gogh está ao seu
lado, acompanhando o instante de sua morte e, ao mesmo tempo, forçando-o
a se lembrar dos momentos que passaram juntos. Em um ambiente
decadente, deteriorado e sujo, ele sente fome e muita dor. E seus
delírios colocam o público frente às diferenças entre eles, tanto no
modo de ver a vida, de agir e de fazer arte, como na evidente admiração
de um pelo outro – assumida por Van Gogh, mas dissimulada por Gauguin,
numa mistura de inveja com incômoda admiração.
A culpa de Gauguin em relação ao amigo
morto, que fora por ele magoado, abandonado e esquecido, e cuja presença
e memória servem como acusação e sentença de morte, revela sua
incapacidade de comunicação e afeto com aquele que tinha tanta coisa
dele mesmo, mas que também seria o seu oposto, a sua sombra. Vive uma
culpa sobre aquele que lhe causou, por fim, tantos sentimentos intensos,
profundos e contraditórios, como o amor e a repulsa.
Van Gogh foi considerado um artista maldito, louco; um homem incompreendido pelo seu tempo. Frente a todo o tipo de infortúnio – como miséria, fome, frio e solidão – ele conseguiu deixar um legado de pinturas e desenhos não compreendidos na época em que viveu, mas aclamado após a sua morte. Os vários episódios de sua vida construíram um artista ávido por um amor que nunca foi correspondido, fosse ele a prima que não o quis, o amigo Paul Gauguin por quem tinha profunda admiração ou mesmo a fé que durante muito tempo buscou, mas acabou se rendendo à arte como forma de expressão.
Do ponto de vista realista, a encenação se passa no atelier deteriorado de Paul, nas Ilhas Marquesas. O tratamento cênico busca, pelas nuances da luz (de Kleber Montanheiro), explorando a paleta de cores dos pintores, uma estética posterior ao impressionismo de Van Gogh ou ao pós-impressionismo de Gauguin. O cenário realista (de Paula De Paoli, também figurinista) é ambientado com moldura, cavaletes e tintas; estruturas de quadros e telas aparecem em outra dimensão, sem revelar as supostas obras. Os figurinos recebem o mesmo tratamento realista, sendo o de Van Gogh um pouco mais lúdico.
A ideia desse projeto partiu do desejo de
Alex Morenno, Roberto Lage e da diretora assistente Joanah Rosa em
retratá-lo no palco. “Acho que Van Gogh me escolheu”, confessa o ator
Alex Morenno. “Já estive muito ruivo e as pessoas me associavam a ele.
Isso despertou em mim o interesse por sua vida e obra”, completa. E
resolveram, então, dar corpo a esse desejo, sendo Thelma Guedes
convidada para criar o texto. “Van Gogh por Gauguin é um trabalho
puramente emocional. Não passa pela ‘tese’ sociopolítica que sempre
defendi no palco”, revela o diretor. Já Alex conta que sempre se
interessou em falar sobre loucura, solidão e inquietação artística.
“Quando penso em Van Gogh, essas três coisas me vêm à cabeça, assuntos
tão pertinentes em tempos tão difíceis”, ele reflete.
Augusto Zacchi conta que não conhecia muito da história de seu personagem. Para ele, a entrega de Gauguin a uma busca incondicional pela arte é o que pauta sua composição.
“Meu olhar é para o humano desse indivíduo que foi buscar sua razão de vida e pagou o preço. Ambos foram forjados na vida em função da busca, da obsessão e da paixão”, comenta o ator. E Roberto Lage finaliza: “essa é só mais uma história sobre os pintores, uma defesa do ‘homoternurismo’ (termo de Mário Prata), pois creio que o preconceito social da época seja responsável pela dificuldade que eles tiveram de se relacionarem em sociedade”.
Circuito Cultural Paulista
O Circuito Cultural Paulista é um ótimo exemplo da capacidade da APAA
(Associação Paulista dos Amigos da Arte) de criar e produzir eventos de
grande porte que vão além da capital e levam para o interior e litoral
do Estado produções culturais de qualidade para diferentes públicos. Com
a curadoria dos mais importantes profissionais do Teatro, Dança, Circo,
Música e Teatro Infantil, o programa idealizado pelo Governo do Estado
de São Paulo leva a mais de 100 municípios paulistas programações
gratuitas de qualidade.
ESPETÁCULO: “Van Gogh por Gauguin”
Horário: 20h
Duração: 75 min.
Classificação: 14 anos.
Preços: entrada gratuita.
Local: Teatro Municipal (Praça Alto do São Bento s/nº – Jd. Mosteiro).
Realização: Ministério da Cidadania,
Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura e
Economia Criativa, Prefeitura de Ribeirão Preto, Secretaria Municipal da
Cultura e LWART Lubrificantes.