Neste 29 de dezembro, a Fundação Nacional de Artes – Funarte celebra o aniversário do artista plástico Candido Portinari. Um dos pintores brasileiros com maior reconhecimento mundial, ele completaria 117 anos se estivesse vivo. Entre suas mais de 5 mil obras, entre pinturas, gravuras, desenhos, grandes murais, como os do Palácio Gustavo Capanema (RJ), e afrescos, estão o O Lavrador de Café e os painéis Guerra e Paz, presenteados à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York/EUA, em 1956.
Entre os grandes eixos temáticos de Portinari destacam-se o social, o histórico, o religioso, o trabalho no campo e na cidade, a infância, os tipos populares, a festa popular, os mitos e o folclore, a fauna, a flora e a paisagem.
No eixo histórico, destacam-se seus grandes painéis, como Tiradentes, a Chegada de D. João VI, o Descobrimento do Brasil, a Primeira Missa no Brasil, os afrescos da Biblioteca do Congresso em Washington, e os Ciclos Econômicos, do Palácio Gustavo Capanema. A religiosidade também foi retrata de forma singular e inconfundível por ele, levando o crítico de arte brasileiro Israel Pedrosa a reconhecê-lo como “o mais importante pintor sacro do século XX”.
Seu estilo de pintura recebeu influência das vanguardas artísticas da Europa na transição do século XIX para o XX, mas ele criou uma arte genuinamente brasileira. E foi além, traduzindo seu talento também na poesia.
De acordo com seu único filho, o matemático e escritor brasileiro João Candido, seu pai “não se limitou à obra pictórica, embora isso já pudesse ser suficiente para ele ocupar o lugar que ocupa no Brasil e no mundo. Foi além e deixou um legado ético e humanista através de seus poemas, conferências, escritos, cartas”, destaca. E completa: “Portinari foi um polo de captação e irradiação das principais preocupações de sua geração: estéticas, artísticas, sociais, culturais e políticas. Foi também um grande intérprete da geração Modernista, a que talvez tenha sido a primeira a pensar o Brasil, a olhar para dentro do país”.
Exposição na Itália, em 2022
Fundador e diretor do Projeto Portinari, João Candido antecipa que, em 2022, para comemorar a efeméride dos 60 anos sem o artista, está sendo preparada uma exposição na Itália, terra de origem de sua família.
“Ainda não temos todos os detalhes, mas provavelmente será em abril, durante a primavera na Europa, e estamos em conversa com a ONU para levar os painéis Guerra e Paz à Itália”, conta. Para ele, será um ano muito importante, pois também serão celebrados dois outros momentos históricos: o bicentenário da Independência do Brasil e o centenário da Semana de Arte Moderna.
Projeto Portinari
Em 1979, João Candido criou o Projeto Portinari, junto com a PUC Rio, para recuperar e documentar a obra completa de seu pai. “O Projeto surgiu em um momento político muito importante, do movimento pelas Diretas Já, da volta dos exilados. Surgia, então, uma ânsia muito grande de resgate da nossa história”, conta. Na época, lembra, mais de 95% da obra do maior pintor brasileiro contemporâneo estavam inacessíveis ao público, guardadas em coleções particulares.
“Quinze anos após a morte de Portinari, seu biógrafo, o escritor e jornalista Antonio Callado, fez a seguinte pergunta: ‘Candinho se vai tornando invisível. Vai continuar desmembrado o nosso maior pintor, como o Tiradentes que pintou?’, fazendo alusão ao destino do corpo do mártir da Inconfidência Mineira. E o Projeto Portinari surgiu como um esforço de responder a essa embaraçosa lacuna cultural”, afirma.
Atualmente, o Projeto Portinari reúne em seu acervo 30 mil documentos – que inclui 6 mil cartas trocadas com os maiores expoentes de sua geração, entre eles Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, Villa-Lobos, Oscar Niemeyer –, 5.400 obras, 12 mil recortes de periódicos e 1.200 fotografias. Além do trabalho de pesquisa e documentação, o Projeto tem forte atuação na área educativa por meio de seu Núcleo de Arte Educação e Inclusão Social, com o objetivo de democratizar o acesso às obras de Portinari.
Todo o acervo está disponível e com acesso gratuito no site www.portinari.gov.br.
João Candido reconhece que avançou muito, mas ainda há bastante a ser feito. E seus planos para o Projeto Portinari não param. Pretende publicar uma edição comentada com a síntese das 6 mil cartas; concluir o projeto de História Oral, que reúne 130 horas de entrevistas com algumas das personalidades com quem Portinari trocava cartas – entre elas, Luís Carlos Prestes, Afonso Arinos e Jorge Amado – e encontram-se guardadas; e aperfeiçoar a presença no Google, que já disponibiliza ferramentas que permitem, por exemplo, ver de perto os painéis Guerra e Paz, que medem aproximadamente 14 x 10m, na sede da ONU.
Para o diretor do projeto, “a parceria com o Google Arts and Culture, firmada na celebração dos 40 anos do Projeto Portinari, resultou em uma nova e mais internacional democratização do legado de Portinari”.
Museu Casa de Portinari: obras e livro acessíveis a pessoas com deficiência visual
O Museu Casa de Portinari, localizado na Praça Candido Portinari, 298, em Brodowski-SP, foi adaptado antes da pandemia para se tornar acessível a pessoas portadoras de deficiência visual. Audiodescrição de imagens e sonorização do livro Poemas de Portinari estão entre as adaptações. A casa, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 9 de dezembro de 1968, conserva todo o mobiliário pertencente à família. A grande sala principal, cozinha, banheiros e o quarto do artista permanecem com suas funções e utilizações originais, com os respectivos móveis a eles pertencentes. Assista aqui ao vídeo
Poemas de Portinari: reedição ilustrada lançada pela Funarte
Em 2019, em comemoração aos 40 anos do Projeto Portinari, a Funarte lançou o livro Poemas de Portinari, em nova edição ilustrada. A publicação mostra que o artista não se limitou a uma só arte. Nos últimos anos de sua vida, já consagrado como grande pintor brasileiro, passou a escrever poesias, sem a pretensão de publicar.
Por insistência do amigo Antonio Callado, decidiu aprovar a publicação de uma coletânea, que saiu em 1964, dois anos após a morte do autor, pela José Olympio Editora. A primeira edição saiu sem ilustrações, conforme determinara Candinho, que não queria se aproveitar de sua fama de pintor para vender o livro.
Nesta reedição da Funarte, porém, uma vasta pesquisa foi empreendida pelo Projeto Portinari, tendo à frente as pesquisadoras Suely Avellar, Letícia Ferro e Patrícia Porto, para organizar o texto e encontrar as pinturas mais apropriadas para ilustrar os poemas.
O resultado é um belíssimo livro ilustrado, com poesia e pintura inspiradas nas memórias da infância do artista em Brodowski (SP). Preservada a seleção dos poemas preparada por Antonio Callado, o Projeto Portinari alterou levemente a disposição dos textos e fez alguns acréscimos, a partir de minuciosa comparação com os manuscritos originais de Candinho.
A organização original dividiu os poemas em três grandes partes: a primeira sobre a alegria do menino no interior paulista; a segunda sobre os medos da infância; e a terceira, de cunho social, sobre a revolta que o homem feito sentiu ao se dar conta dos horrores da fome e da miséria. À nova edição foi acrescida uma quarta parte: Odes, em que Portinari tece homenagens poéticas.
Os textos históricos de abertura de Manuel Bandeira e Antonio Callado foram mantidos e a nova edição traz ainda uma nova apresentação de Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL). Com a reedição, o Projeto Portinari comemorou os 40 anos de empenho na preservação e difusão da obra do grande pintor brasileiro Candido Portinari.
Vida e obra
Candido Portinari nasceu no dia 29 de dezembro de 1903, em uma fazenda de café, na cidade de Brodowski, interior de São Paulo. Filho de imigrantes italianos de origem humilde, era o segundo de doze irmãos. Antes mesmo de terminar o ensino fundamental, integrou um grupo de pintores que chegava a Brodowski para decorar a Igreja. Aos 11 anos, Candinho – como era conhecido – fez a lápis o retrato de Carlos Gomes.
Em 1918, com 15 anos, saiu pela primeira vez de Brodowski com destino ao Rio de Janeiro, em busca de um aprendizado mais sistemático em pintura. Estudou desenho no Liceu de Artes e Ofícios por um ano, sendo a seguir admitido na Escola Nacional de Belas Artes (mais tarde transformada no Museu Nacional de Belas Artes – MNBA) do Rio de Janeiro, onde estudou por quase dez anos.
Em 1928, conquistou o Prêmio de Viagem à Europa, com o Retrato de Olegário Mariano. Em 1929, antes de partir para a Europa, expôs 25 retratos a óleo em sua primeira mostra individual. Depois viveu em Paris, onde conheceu sua esposa, a uruguaia Maria Victoria Martinelli. De volta ao Brasil no ano seguinte, começou a usar as cores fortes para retratar a pobreza e o sofrimento do povo brasileiro. A partir de 1933 seus quadros retrataram ainda mais seus temas brasileiros, e Café tornou-se o ponto de partida para a execução de grandes obras. A arte de Portinari começou a ser conhecida internacionalmente.
Em 1935, obteve sua segunda menção honrosa em uma exposição internacional de grande prestígio, dessa vez no Carnegie Institute, em Pittsburg/EUA, com a tela Café, de grandes proporções, retratando uma cena de colheita típica de sua região de origem. A partir daí optou pela temática social e realização de grandes painéis.
“Consolidou o sucesso nos Estados Unidos, tendo pintado vários painéis em Nova York e realizado diversas exposições em outras cidades americanas, inclusive na famosa Howard University, uma universidade só de negros, em Washington. O convite deveu-se à firme posição de Portinari com relação à negritude naquele país, que vivia ainda uma intensa discriminação racial”, afirma seu filho.
João Candido ressalta ainda que, em 1946, Portinari conheceu uma “verdadeira consagração”, desta vez em Paris, onde sua exposição, rica de temas sociais, como a Série Retirantes, mobilizou o cenário artístico-cultural da França, sendo-lhe naquele momento outorgada a Legião de Honra pelo governo francês.
Na última década de vida, criou, para a sede da ONU, os famosos painéis Guerra e Paz. Candido Portinari morreu no dia 6 de fevereiro de 1962, vítima de intoxicação pelas tintas.