75 anos da batalha de Monte Castelo a Vitoria no inverno

21/02/1945: contra a artilharia alemã, brasileiros fizeram história na mais emblemática batalha da Força Expedicionária Brasileira na Itália

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Foto EBC

A inscrição da data, 21/02/1945, brilha na medalha e no espelho dos olhos molhados. Os dedos já enrugados erguem a boina azul, o paletó repleto de homenagens e a vastidão das memórias límpidas. Nem os detalhes são fugidios. É tudo como se fosse ontem. Aquele frio do inverno europeu, os sons dos tiros inimigos, os gritos de apoio, os barulhos dos equipamentos, dos canhões, dos tanques, dos aviões, e do medo do próximo passo. Tudo parece se misturar como as cores de um quadro de brasileiros sem rosto, anônimos, de uma escultura em relevos, ou de uma foto em preto e branco. Tudo se funde nas lembranças, que não cabem nem nos livros de história nem nas canções (que eles lembram em cada verso).

Ouça a Canção do Expedicionário

“Por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá…” – Canção do Expedicionário, Guilherme de Almeida, 1944

Mais de 25 mil brasileiros foram para a 2ª Guerra lutar contra o nazismo. O país teve pelo menos 465 mortos, além dos milhares de feridos em combates. A batalha considerada como divisor de águas foi a Tomada de Monte Castello, na Itália, uma operação que envolveu cinco tentativas, a partir de novembro do ano anterior, de avançar ao cume daquela montanha e colaborar para que as Forças Aliadas avançassem ao norte do país. Segundo historiadores, pelo menos 100 brasileiros morreram na ocasião.

Missão expedicionária

Aquele fevereiro marcou a vida dos expedicionários. Como a do então cabo Vasco Duarte Ferreira, prestes a completar 21 anos de idade. Não havia tempo de comemorar o aniversário no 24 de fevereiro. A missão era maior do que poderia esperar. Hoje, chegando aos 96 anos, o carioca, radicado em Brasília, recorda dos caminhos, do peso do equipamento de radiotelegrafista, da bandoleira por onde carregava também o fuzil, e do sabor da missão que nunca o abandonou.

A função que executaria na guerra era estratégica para os expedicionários. Mal sabia o quanto seria importante quando aprendeu no Brasil a mexer no equipamento para enviar e receber mensagens entre as posições do front. Essa história começa no calor do Rio de Janeiro. Ele afirma que foi voluntário a servir o Exército em vista dos sentimentos patrióticos que aprendeu em casa. O pai dele tinha um bar no centro do Rio de Janeiro, onde o jovem também ajudava com a clientela. Mas a farda mudou a vida de Vasco.

Ele foi integrado ao Regimento Sampaio e, depois, transferido para o 13º Regimento de Infantaria, em Ponta Grossa (PR), onde aprendeu a atuar com radiotelegrafia.

Com a possibilidade da participação do Brasil, o militar voltou à cidade natal para receber o treinamento. Foram 16 dias de viagem para a Europa pelo navio da Marinha. Ainda passariam por um último trecho de lancha até Livorno, na costa italiana.

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Em solo inimigo

As primeiras impressões foram traumáticas. Em uma operação, viu dois militares a sua frente morrerem após pisarem em minas. A explosão jogou um jato de areia no lado esquerdo do rosto de Vasco. Durante a entrevista, ele passa a mão como se ainda sentisse aquela dor. O incidente fez com que ele temesse perder a audição. Machucou também o joelho no ataque. Mas não parou. A guerra estava apenas no começo para eles. A operação em Monte Castello seria ainda mais dramática. O avanço pelo Norte era preciso. Dormiram em barracas e também no chão, aquecendo-se como podiam com as luvas e casacões que faziam parte da farda por 24 horas todos os dias. Eles viam o morro a se conquistar como um oásis distante.

“Era uma montanha sobre uma outra montanha. Eu carregava o equipamento que pesava mais de 10 quilos com uma antena de mais de três metros”.

Além do equipamento, o fuzil Springfield poderia ser acionado. Mas não teve que dar nenhum tiro. Pelo contrário, os companheiros na batalha evitavam ficar ao lado dele por temer que o equipamento ligado serviria como alvo dos inimigos.

“Eu tinha medo de andar e de levar um tiro”. A cada passo, poderia haver uma mina e saírem despedaçados. Ele lembra o temor dos disparos que vinham de cima de Monte Castello.

Dever de memória

Em Brasília, o Museu Casa e Memória dos ex-combatentes abre para visitação de escolas e pesquisadores e guarda documentos, fardas e equipamentos usados no grande combate. “Nós trabalhamos com agendamento porque não há recursos para manter o espaço em funcionamento em horário integral”, diz a diretora do museu, Laurinda Pacheco.

O espaço é uma forma de trazer visibilidade ao som e imagens que não saíram da memória dos combatentes. Como também não saíram do coração do coronel Nestor Silva, paraquedista militar. Ele serviu como sargento na guerra. Hoje, aos 103 anos, recorda que a vitória só chegou depois que os brasileiros optaram por atacar pelos flancos e não mais de frente. O ex-combatente vive na capital federal e faz questão de participar dos eventos promovidos pelo Exército e pelo Ministério da Defesa. O homem orgulha-se de usar a boina azul e as medalhas que recebeu nos últimos 75 anos.

O vice-presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, Israel Blajberg, entende que o tamanho da vitória brasileira na ocasião precisa ser recordado em vista dos contextos da operação.

“Foram militares-cidadãos, soldados-cidadãos. Civis de 90 cidades, de norte ao sul do Brasil, que vestiram a farda. Trata-se de uma vitória não (apenas) das Forças Armadas, mas do Brasil”.

Ele defende que a data deveria ter mais visibilidade, mas que acaba tendo menor repercussão no país por causa da proximidade com os dias de Carnaval. Blajberg faz parte da direção que mantém o Centro Cultural Casa da FEB, no centro do Rio de Janeiro, e que é aberto à visitação. O pesquisador queria que o tema fosse mais estudado. “Trata-se de um dever de memória. Há poucos ex-combatentes vivos. E eles têm mais de 90 anos de idade”.

A Tomada de Monte Castello é considerada uma proeza.

Para o historiador Elonir José Savian, pesquisador de temas relacionados à 2ª Guerra, a relevância do acontecimento relaciona-se ao fato da Força Expedicionária Brasileira ter buscado chegar àquele monte quatros vezes antes sem sucesso (em 24, 25 e 29 de novembro e 12 de dezembro de 1944).

“Tais fracassos levaram que a eficiência em combater dos soldados brasileiros passasse a ser posta em dúvida pelas demais tropas aliadas que combatiam na Frente Italiana. Também havia intensa cobrança do governo brasileiro, no caso Getúlio Vargas, para que a FEB revertesse a situação e tivesse êxito em suas operações”.

A vitória de 21 de fevereiro fortaleceu a autoestima dos militares brasileiros para continuar no front. “Sob ponto de vista das ações que se desenvolviam na Itália, a tomada de Monte Castello possibilitou que as tropas aliadas conseguissem boas posições para lançar a Ofensiva da Primavera, que seria desencadeada em abril de 1945”.

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Finalmente vitória

Israel Blajberg contextualiza que, quando os alemães tomaram a Itália, organizaram uma série de fortificações ao longo dos Apeninos, e estavam no topo das montanhas, o que foi chamado de linha gótica. “Quem está no topo tem toda vantagem”. Como os pracinhas recordam, o frio foi um adversário dos militares brasileiros. “Foi um dos invernos mais rigorosos daquele período. Os alemães ficaram entrincheirados e os tiros deles mataram mais de 100 brasileiros.

“Vários corpos ficaram na neve e só depois foram recuperados”.

O historiador Elonir Savian explica que, enquanto não conseguiam vitória no Monte Castello, os brasileiros passaram por mais treinamentos para ganhar experiência.

“Adquiriram rusticidade, tornando-se combatentes comparáveis aos das melhores tropas aliadas”. Para Blajberg, foi a principal operação na Itália e a mais emblemática participação combinada entre artilharia, infantaria e aviação (com o “Senta a Pua”, apelido do Primeiro Grupo de Aviação de Caça). O pesquisador explica que os aviões não puderam operar em toda a campanha por causa das condições climáticas. “O Monte Castello, em determinado momento, desaparecia por causa da nuvem de fumaça produzida pelas granadas de artilharia”. Depois de Monte Castello, os brasileiros se ocuparam de realizar a Tomada de Montese (em abril, três semanas antes de terminar a guerra). “Foi uma batalha mais urbana, corpo a corpo”, diz o pesquisador.

Savian ratifica que o desempenho da FEB em Monte Castello foi muito elogiado pelos comandantes aliados. “Resultou na tomada de Montese, importante baluarte inimigo (14 de abril de 1945), e no aprisionamento da 148ª Divisão de Infantaria alemã, na região de Fornovo di Taro (29 e 30 de abril de 1945)”. Operações que já tinham um emblema brasileiro, uma colaboração às vésperas da principal notícia que o mundo esperava: o dia 8 de maio seria a data oficial da vitória dos Aliados e a derrota do nazismo. Era o fim da guerra. Na volta para casa, foram 15 dias de navio com a surpresa de celebrações populares efusivas no desembarque. Milhares chegaram feridos. Era calor. Jovens que voltavam ao Brasil para recomeçar a vida, mas sem esquecer jamais daquele tempo frio.

Foto EBC

Fonte EBC

Reportagem: Luiz Cláudio Ferreira e Edgard MatsukiEdição: Alessandra Esteves e Beatriz ArcoverdeImplementação: Pedro Ivo de Oliveira