“Biden não é um antifascista; essa coisa de antifascismo é uma armadilha; não é uma luta contra o fascismo, é uma luta contra os direitos democráticos da população.”
Essa afirmação não é de algum escritor, militante ou político da direita, mas do presidente do PCO, o Partido da Causa Operária, Rui Costa Pimenta, postadas recentemente na conta do Twitter do partido.
Há algum tempo que o PCO surpreende aqueles que se acostumaram com o discurso de uma esquerda histérica e caricata que invariavelmente resume todas as suas falas a clichês identitários, gritaria performática ou filosofia anal.
E por mais divertido que sejam os memes que já o apelidaram de Partido Conservador Olavista, há alguns pontos que merecem atenção nessa situação: um é a perplexidade que tomou de assalto a tal Nova Direita, incrédula com a possibilidade de um partido de esquerda poder estar certo quanto à descrição da realidade; outro, é dúvida que passou a pairar sobre muitos direitistas: afinal, nós conservadores somos tão diferentes assim do PCO?
1 – Sim, o PCO está certo quanto a uma série de afirmações, mas está a fazê-las por razões diferentes da sua.
Biden não é antifascista, a esquerda psolista é entupida de burgueses e o STF transformou o Brasil numa ditadura da toga. Isso são fatos.
Não importa quem os diga – Bolsonaro, o Rui Costa Pimenta ou o seu papagaio – continuarão sendo fatos. O PCO, ao enumerá-los, reconhece-os como problemas da realidade social, e nenhum conservador discordaria disso.
Porém, será que os motivos que levam ambos a concordar é o mesmo?
Numa conversa sobre esse assunto com professor Fábio Blanco, do Núcleo de Ensino e Cultura, especialista em Estudo da Linguagem, a primeira coisa que ele pontuou foi: o PCO vem de uma corrente marxista trotskista ortodoxa, diferente da esquerda dita progressista, que vem de uma tradição neomarxista, escola de Frankfurt.
Segundo Blanco os acontecimentos criticados por conservadores e pelo PCO são os mesmos, mas o motivo da crítica não compartilha uma ligação tão profunda: eles enxergam nos fatos criticados uma ação burguesa de um estado burguês – o que não está errado – porém, as bandeiras identitárias, tão amadas pela esquerda psolista, são repudiadas pelo PCO não por ofenderem alguma moral, mas por serem financiadas por capitalistas.
Quando eles defendem o armamento civil é porque eles acreditam que o povo deve ter meios para se defender do estado burguês e não porque há um direito natural de se defender de qualquer estado.
E assim segue-se em relação a todas críticas do PCO que, num primeiro momento, coincidem com as críticas dos conservadores, como a não concordância com a vacinação obrigatória ou com as agendas gays e feministas.
Para o PCO são casuísmos; para os conservadores, princípios.
O PCO não quer ser obrigado a tomar uma vacina pois essa vacina atende a uma pauta burguesa, de um estado capitalista que está em desacordo com sua doutrina comunista ortodoxa.
O conservador não quer ser obrigado a tomar vacina alguma ou fazer coisa alguma contra sua vontade, por estado algum, sejam os governantes e o sistema de sua predileção ou não. Certamente, diz Fábio Blanco, num governo que o PCO considerasse ideal, se houvesse uma obrigatoriedade de vacina eles acatariam a ordem.
A discordância da esquerda ortodoxa em relação aos neomarxistas não é novidade alguma; em livros de filosofia comunistas da antiga União Soviética não havia qualquer pudor em criticar fortemente a Escola de Frankfurt, relatou Blanco. No fim das contas, o PCO não está inaugurando um racha na esquerda ou algo assim, mas está sendo fiel à sua doutrina e à tradição da esquerda em se autocriticar, como numa dialética interna.
O setor da esquerda que o PCO representa entende que a esquerda frankfurtiana, que aceita o identitarismo liberal (no sentido americano do termo liberal), é fruto de uma burguesia que utiliza o marxismo como instrumento de dominação. Bem… quanto a isso, o PCO realmente está certo.
O escritor e professor de filosofia André Assi Barreto trouxe alguns pontos que são importantes: o PCO, em vez de dialético, como boa parte da esquerda, é doutrinário. Não é de graça que o PCO é totalmente escanteado pela ótica oficial do esquerdismo psolista.
O esquerdista que consegue ficar em evidência não pode ser doutrinário, ele precisa ser dialético; dialético a ponto de trocar de verdade ao longo do mesmo dia. Porém, o PCO é anti-imperialista de forma doutrinária e não casuística.
2 – Não, o PCO não é o Partido Conservador Olavista.
Não são apenas as razões que motivam as críticas do PCO e dos conservadores que são diferentes. Há uma imensa diferença em como cada um propõe a solução para estes problemas.
Imaginemos a seguinte situação: um casal observa o quarto do filho bagunçado e as tarefas da escola por fazer. Ambos concordam que a bagunça do quarto é algo negativo, que o quarto deveria estar arrumado e as tarefas feitas. A mãe levanta a hipótese do mau comportamento do filho ter origem em ele sofrer bullyng por ser gordo. O pai concorda que realmente a obesidade do filho está a lhe gerar problemas.
A mãe acredita que a melhor solução é levar seu pequeno luis para uma terapeuta que o ajudará a se aceitar como gordo, porque o gordo também pode ser belo, a beleza é subjetiva e o que importa é ser feliz.
O pai já não concorda. Para ele, o filho tem de se fortalecer, praticar uma arte marcial, o que consequentemente o fará perder peso. Depois de bem treinado e em forma, ele não será mais alvo das piadas dos garotos da escola: agora é ele quem vai ser o rei do pedaço e irá fazer bullyng com os outros, afinal, o bullyng é normal, o papai só não aceita que seja com o seu filho.
Porém, o avô do gorduchinho entra na reunião de família.
O avô não gosta da mãe do menino – quando se cruzam, o tempo fecha –, acha que ela é uma perua afetada, descolada da realidade. O ancião porém, tende a concordar com alguns aspectos que o pai aborda: o menino não pode permanecer obeso, obesidade é um problema que não pode ser incentivado.
Mas livrar-se da obesidade só porque isso permitiria que ele se vingasse e se tornasse o novo tirano do parquinho não é o correto. O avô quer que o menino coma direito, faça exercícios e torne-se um rapaz equilibrado e confiante o suficiente para ignorar piadas de meninos da escola.
A mãe é a esquerda PSOL, dialética, pós-marxista, frankfurtiana.
O pai é a esquerda PCO, doutrinária, ortodoxa.
O avô é o conservador, que julga o caso do neto não pelo caso em si, mas pelos princípios que envolvem os assuntos.
Com a ressalva dos limites que uma ilustração tosca como essa impõe, ela pode ajudar a entender porque o PCO concorda com tantas pautas conservadores, mesmo passando a passos largos de qualquer conservadorismo ou direitismo.
Por fim, há uma coisa que é diferença crucial na maneira que conservadores e revolucionários vêem o mundo: a força que move a História.
A mentalidade clássica, conservadora, sempre viu o mundo e descreveu sua História a partir da premissa de que há um elemento transcendente que não só cria, sustenta e movimenta a História como age diretamente nela.
Em miúdos: Deus é um agente histórico. Ele permite que haja uma imanência (que provém dele, como tudo) que movimente a História; porém, Ele, quando quer, se revela e age diretamente. Mas, o principal: Ele é o princípio e a finalidade do Homem. Logo, toda ação humana só é correta quando se guia por um conjunto de regras estabelecidas pela tradição revelada por Ele e que leva o Homem ao seu encontro.
Isso escandaliza a maioria dos acadêmicos de hoje, mas ao longo de quase toda a História da Civilização Ocidental era o modo correto de se iniciar qualquer abordagem histórica, política, econômica, artística, etc. Ser conservador, grosso modo, é pautar suas ações por essa cosmovisão.
Já a mentalidade revolucionária, seja marxista, pós-marxista, fascista etc., vê a História a partir de uma ótica materialista ateia ou agnóstica. Mesmo que haja um criador, ele criou o mundo e não interfere no caminhar da História. Na cosmovisão da mentalidade revolucionária há uma imanência na História, porém, criada do nada, pelo nada, e movida pelos conflitos internos da sociedade. Sendo assim, é válido que alguns poucos criem modelos de sociedade e submetam a sociedade atual a estes novos modelos supostamente melhores, já que o ciclo de construção, destruição e reconstrução que move esse universo criado ex nihilo é eterno.
Entendendo essa diferença crucial é que podemos entender porque o PCO, mesmo discordando visceralmente da esquerda tresloucada dos Projacs da vida, é também dissonante dos princípios dos conservadores: enquanto o conservador vê na política uma das ferramenta que o ajuda a lidar com a estrutura de uma realidade cujo fim é a sua salvação como indivíduo, o PCO e marxistas em geral vêem a política como o único delimitador de uma realidade cujo fim é congregar todos os indivíduos num coletivo político perfeito, mesmo que, para isso, quase todos percam sua individualidade.
― Brás Oscar é colunista e correspondente internacional para o BSM e para o PHVox
Texto de https://brasilsemmedo.com