Venda de medicamentos para depressão cresceu 17% com a pandemia

Aumento foi 5 pontos maior do que o verificado entre 2018 e 2019. Ambulatório idealizado por farmacêuticos constata alta e agravamento em casos

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A Covid-19 impôs o isolamento social, que impactou exponencialmente os brasileiros. Somos reconhecidos pela expansividade e pela alegria. Não por acaso nosso carnaval é uma das maiores festas populares do planeta. Ficar trancado em casa e, ainda, sob o impacto da crise econômica provocada pela pandemia, fez aflorarem sentimentos como o medo e a solidão, que acabaram levando a problemas como insônia, depressão e ansiedade. Os prováveis efeitos desse fenômeno social podem ser notados nas vendas de anti- depressivos e estabilizadores de humor. Em comparação com 2019, o país registrou um crescimento de 17% nesse comércio em 2020, conforme levantamento feito pelo Conselho Federal de Farmácia-CFF por meio da Consultoria IQVIA.

Como é possível observar, entre 2018/2019 as vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor aumentaram 12%, e entre 2017/2018, 9%. A curva não deixa dúvidas de que as vendas dispararam no país no último ano.

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Em 15 estados, o cres- cimento foi ainda maior, beirando os 30% em algumas unidades da federação.

No Ceará, 2º classificado no ranking de estados com os maiores aumentos, havia uma tendência de queda até 2019, mas as vendas ganharam impulso no ano da pandemia. Enquanto entre 2018 e 2019 foi registrado um aumento de 7%, no período de 2019 a 2020 a variação foi de 29%, três vezes maior. Sergipe registrou o dobro de aumento, com 12% entre 2018/2019 e 24% entre 2019/2020. Apesar de ser o 11º estado no ranking, com 23% de aumento no período de 2019/2020, no Amapá as vendas estão em queda, em comparação com o período de 2018/2019, quando houve aumento de 29%.

Também foi levantado o aumento das vendas de anti-convulsivantes e antiepiléticos, que foi ainda maior no país. Em 2020, houve um acréscimo de 12% nas vendas em comparação com 2019. O índice corresponde a 8 pontos porcentuais a mais do que o registrado no período de 2018 a 2019, de 4%. O crescimento no período anterior, de 2017 a 2018, foi de apenas 2%.

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Nos estados do Amazonas e da Bahia (que registrava tendência de queda) a variação foi de 25% e 21% respectivamente, entre 2019 e 2020. Porém, nestes dois casos, o agravante é que, em relação ao período anterior, 2018 a 2019, o aumento foi de 20 pontos porcentuais. Embora tenha registrado índice de 23% de crescimento nas vendas entre 2019 e 2020, o Amapá apresentou tendência à estabilização.

“Os medicamentos em questão são disponibilizados no mercado sob um rígido controle da Agência Nacional de Vigilância Sani- tária (Anvisa). A venda é feita com apresentação de prescrição médica, retenção da primeira via da receita e mediante lançamento no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, o SNGPC”, explica o conselheiro federal de Farmácia pelo estado de Rondônia, Jardel Teixeira de Moura, que atua no varejo e tem observado, na ponta, o aumento das vendas. “De fato, há uma maior procura por esses medicamentos, principalmente entre jovens e idosos”, comenta o conselheiro, que é proprietário de farmácia em seu estado, que curiosamente foi o que registrou o menor aumento nas vendas.

Considerando que os medicamentos são controlados, o aumento estaria relacionado a um crescimento no número de pacientes com adoecimento mental. E o grande desafio seria garantir o melhor custo benefício dos tratamentos, com o diagnóstico correto pelo médico e o uso seguro e racional, acompanhado pelo farmacêutico. Porém, é preciso analisar outros aspectos.

“Um deles é que vivemos em uma sociedade culturalmente marcada pela tendência à medicalização”, comenta o farmacêutico Wellington Barros, consultor ad hoc do CFF.

Ele explica que há um comportamento das pessoas no ocidente, de frequentemente recorrer ao uso medicamentos para tentar sanar todo tipo condição decorrente do convívio societal como se tudo se reduzisse a um problema de saúde.

“Está claro que a quarentena expôs as pessoas a situações de estresse muito extremas, e também é evidente que essa condição pode, sim, ter efeitos sobre a saúde mental das pessoas, levando ao surgimento de quadros de depressão e ansiedade, por exemplo. Mas nem toda alteração no sono, nem todo sentimento de tristeza ou solidão, ou mesmo o estresse gerado pela exposição ao risco, no caso dos trabalhadores da saúde e das atividades essenciais, que não pararam durante a pandemia, constituem a priori um transtorno em saúde mental passível de ser tratado com um medicamento. E mesmo que haja uma indicação da ocorrência de sofrimento psíquico que caracterize um transtorno ou problema de saúde, isso não significa que será necessário, de imediato, o uso de algum medicamento. A abordagem mais segura e que implica em maior beneficio, na maioria absoluta dos casos, terá que ser sempre ampliada, centrada nas pessoas e não nos medicamentos”.

A farmacêutica e professora Sheilla Fernandes, da Universidade Federal Rural do Semiárido, em Mossoró (RN), concorda. Ela des- taca que as principais preocupações no uso dos psicotrópicos são o autodiagnóstico e o fácil acesso aos medicamentos no Brasil.

“Claro que os medicamentos são importantes e a gente precisa deles, mas é preciso pensar também em alternativas não farmacológicas. E nós, enquanto farmacêuticos, devemos discutir esse aspecto da psicoeducação”, observa.

Outro ponto levantado pela professora é que muitos pacientes se automedicam até mesmo com medicamentos controlados. A automedicação ocorre modificando-se as doses, a frequência de administração ou usando o medicamento que foi prescrito para outra pessoa.

O quadro descrito é comprovado por outra pesquisa realizada pelo CFF com o Instituto Datafolha. Segundo esse estudo, que teve como base pessoas que usaram medicamentos nos seis meses anteriores às entrevistas, a maioria dos brasileiros (77%) se automedica e 57% o fazem a partir de medicamentos prescritos. Ou seja, a pessoa passa pelo profissional da saúde, tem um diagnóstico, recebe uma receita, mas não usa o medicamento conforme orientado, alterando a dose receitada. Ainda segundo a pesquisa, 44% dos entrevistados que têm o hábito de se automedicar usam medicamento sem prescrição se conhecem alguém que já usou e obteve resultado. Ou seja, as pessoas se automedicam usando o medicamento prescrito para outra pessoa.